“Todas as mulheres conseguem e podem amamentar”. Esta é a parangona que tantas vezes lemos e que aprendemos quando estudamos acerca do tema. Mas então surge a questão: por que é que tantas mulheres não conseguem então amamentar?
A maternidade é a fase com o maior nível de alterações emocionais, fisiológicas e hormonais que alguma vez a mulher terá ao longo da sua vida. Por vezes é tão intensa que a nossa própria mente nos protege e recalca momentos tão intensos como são os dos pós-parto. Não é incomum ouvir relatos de mulheres que têm poucas recordações do primeiro mês de vida do seu bebé. É mesmo assim. O puerpério pode ser duro e uma das questões mais faladas e que mais debate assume é a amamentação. Inclusivamente, podemos muitas vezes observar verdadeiras digladiações entre mulheres (e alguns homens) acerca da amamentação.
É inquestionável o valor nutricional do leite materno. Fórmula alguma de substituição se lhe comparará. Mas amamentar o nosso bebé vai muito além da questão fisiológica e instintiva. Talvez porque nos tenhamos afastado cada vez mais dos nossos instintos, ou talvez porque confiemos cada vez menos em nós enquanto mamíferos, a amamentação pode tornar-se difícil. Na realidade, amamentar é um processo emocional, de relação e de proximidade. E isso pode ser terrivelmente assustador. Porque, pensemos: se mantivemos o nosso bebé sustentado 9 meses dentro de nós, por que não o mantemos sustentado, por mais outros tantos (e mais) meses, fora de nós? É assim a nossa natureza. Mas por vezes não é assim a nossa mente. Uma mulher que acabou de ser mãe, antes disso era só ela. Agora é ela e mais um – cá fora. Agora, para cumprir este sustento, há que dedicar muitas horas do dia ao bebé. E isso pode tornar-nos vulneráveis emocionalmente. Porque agora, bebé, sou só tua e tu és só meu. Mas e se esta mãe não estiver emocionalmente disponível? Como é que se dá a volta a isto?
A ambivalência, sabemos, é o grande motor da gravidez – querer muito o bebé e estar aterrorizada com o que isso implica. A amamentação reflete esta ambivalência, quando já podemos “fugir” (sim, porque durante a gravidez, não dá tanto para fugir). Nessa ambivalência podem surgir todas as dificuldades que tão bem conhecemos da amamentação, como o medo de ter pouco leite, medo do bebé não engordar, dificuldade em permanecer muito tempo a amamentar e até dificuldade em reconhecer os sinais do bebé que pede mama e, consequentemente, contacto físico. O grande problema aqui, pode ser a mãe que não está disponível para dar tanto de si ao bebé, muito possivelmente porque ela própria ainda precisa de receber de outros este cuidado que lhe é exigido dar agora.
É também importante percebermos que ser mãe põe em causa a mãe que tivemos e o bebé que fomos. As questões da culpabilidade que estão diretamente relacionadas com o aparecimento da depressão pós-parto, também invadem estes processos da amamentação. “Se a minha mãe não me amamentou, como vou eu conseguir amamentar o meu bebé” – fazer isto, é ultrapassar a mãe, com tudo o que isso implica, nomeadamente a culpa. Por vezes, a mãe ainda precisa muito de ser filha e o grau de exigência da maternidade, esta mudança brusca de papéis, pode ser absolutamente brutal.
Fica a questão: o que fazer? Pedir ajuda é a primeira linha de ação. Esta ajuda é emocional, é informação e é apoio direto na tarefas. Muitas vezes, o apoio de outra mulher que nos compreende, que passou por isso e com quem nos identificamos é o mais útil. Alguém que presta informação, que dá apoio e que não julga – papel tão útil das doulas pós-parto e das conselheiras de aleitamento materno. É a força dos pares. O companheiro é outro motor importante, cumprindo o papel de cuidador emocional e funcional das outras tarefas que se mantêm no dia a dia. Em última análise, em situações de sofrimento psicológico, o apoio psicológico prestado por um psicólogo credenciado é fundamental para abordar as questões emocionais que podem interferir negativamente com os processos de vinculação.
Marta Russo, Psicóloga Clínica
Quero muito amamentar o meu segundo bebé que vem a caminho. Recentemente comentei a minha vontade e a minha certeza que vou ter leite para entrar novamente nesta viagem e fiquei um pouco chocada e posso dizer triste por ter como resposta: “não sabes se vais ter leite”
Sei que quem me disse não teve qualquer intenção de maldade nem coisa parecida, mas depois de eu partilhar a minha tão grande felicidade e vontade de o voltar a fazer , levar com uma resposta destas senti como se eu não valesse nada…